O primeiro desses fragmentos é o sempre citado “Na Floresta do Alheamento”, que saiu na revista Águia, em 1913. Trata-se de um texto de circunscrição histórica, assentado em clichês decadentistas, e cuja atmosfera nevoenta destoa do tom predominante ao conjunto organizado por R. Zenith, melhor se adaptando ao de P. Coelho. Não é simples definir um tema para o Livro, porque não se trata de um “livro” na acepção corrente do termo. Pessoa o deixou como um projeto por fazer, e relegou um trabalho espinhoso a seus organizadores, seja para selecionar, seja para organizar e estabelecer os textos. Os fragmentos, muitas vezes, ou não são assinados, ou trazem indicação ambígua de autoria, estão repletos de marcas de hesitação sobre a escolha de termos e expressões, e a maior parte deles não está datada. Por isso, o que hoje entendemos como Livro do Desassossego é, em parte, obra de seus organizadores; muito provavelmente obra um tanto mais longa do que a que os planos de publicação deixados por Pessoa fazem crer que seria. Para alguns, antes assim: mais recheado e também mais incompleto. Isso porque o Livro tem sido lido como um texto que reflete a organicidade fragmentária e desconexa de seu criador.
(in O Livro do Desassossego: Uma prateleira de frascos vazios de Caio Gagliardi)