Sunday, November 25, 2007

"Narciso cego, como no Livro do Desassossego se conhece, Pessoa desejou tocar-se como uma alma que fosse exterior"
Eduardo Lourenço em Fernando Reis da Nossa Baviera

Depois que os últimos pingos de chuva começaram a tardar na queda dos telhados, e pelo centro pedrado da rua o azul do céu começou a espelhar-se lentamente, era a ocasião de se estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um desejo de definição, nem até reles. Tardava-me talvez a sensação de estar vivo. E quando me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhados no parapeito que mancham lentamente

Bernardo Soares em O Livro do Desassossego